Angola assinala nesta segunda-feira, 15 de Janeiro, 49 anos da assinatura do Acordo de Alvor entre os três movimentos de libertação (FNLA, MPLA, UNITA) e o Governo Português, no Algarve, Portugal, para a suposta definição dos princípios de partilha do poder em Angola.
Recorde-se que Acordo de Alvor, que permitiu a independência de Angola e a anexação por esta de Cabinda, representou, segundo disse o próprio Almeida Santos, um dos signatários portugueses, apenas “um pedaço de papel” que “não valeu nada”.
Almeida Santos, tal como a restante equipa portuguesa, sabia à partida que o Acordo de Alvor só valeria se o MPLA não ficasse no Poder. Como ficou…
O dirigente socialista, que a 15 de Janeiro de 1975 era ministro da Coordenação Interterritorial e integrava a delegação portuguesa que assinou o Acordo de Alvor, no Algarve, referiu que, assim que viu o documento, soube que “aquilo não resultaria”.
“Aquilo não resultaria”, como não resultou, porque Portugal viciou as regras do jogo no sentido de dar o Poder a uma das partes, o MPLA, sem esquecer que era necessário correr à força com os portugueses de Angola e depois, como defendia Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho, metê-los no Campo Pequeno.
“Do Acordo de Alvor sou apenas um escriba, não sou mais do que isso”, disse Almeida Santos (que foi também ministro da Comunicação Social, da Justiça, de Estado, candidato a primeiro-ministro e presidente da Assembleia da República), mentindo mais uma vez ao dizer que Portugal não teve outra alternativa, a não ser assinar por baixo.
Na véspera da proclamação das independências de Angola (em 11 de Novembro de 1975, uma em Luanda pelo MPLA e outra no Huambo pela UNITA e FNLA), em Portugal tanto o primeiro-ministro como o presidente da República reconheceram que não tinham capacidade para controlar a situação, devendo esta constatação também contribuir para a anulação do Acordo de Alvor.
Agostinho Neto apresentava, aliás, todas as garantias de que as autoridades comunistas portuguesas que dominavam o país iriam entregar exclusivamente ao MPLA os destinos de Angola, tendo na sua posse documentos nesse sentido subscritos pelos dirigentes do Movimento das Forças Armadas (MFA).
O general Pezarat Correia, um dos portugueses envolvidos nas negociações para o Acordo de Alvor, considera que a componente militar do documento “falhou terrivelmente”. Nada disso. O objectivo dos comunistas portugueses era entregar Angola ao MPLA e tiverem um êxito total.
“Havia uma componente fundamental, e foi aqui onde o Acordo do Alvor falhou terrivelmente e depois deu lugar a toda a tragédia que se passou, que foi a parte militar”, porque não se conseguiu prever o que viria a acontecer depois, afirmou Pezarat Correia.
“Não falhou por causa de nós”, parte portuguesa, “mas sim porque os movimentos não cumpriram o que tinham acordado” no Alvor, em 1975, uma situação que, na opinião do militar português, foi depois agravada com as interferências externas, inclusive das grandes potências mundiais, em Angola, perante o servilismo e cobardia dos políticos e militares portugueses.
O acordo estabelecia, entre outras coisas que deviam ser constituídas, para o período de transição, aquilo a que se chamou umas “forças militares mistas”.
Assim, cada um dos movimentos de libertação deixava de ter as suas forças guerrilheiras, com que se apresentaram nas negociações que antecederam o Alvor, e “contribuiria, em partes iguais, com 8 mil homens cada” para a nova força conjunta, na qual o lado português “teria uma parte igual aos três movimentos juntos”.
“Portugal teria 24 mil homens, (…)”, com os três ramos, Exército, Marinha e Força Aérea, presentes, e cada um dos outros movimentos “contribuía também com 8 mil homens”, explicou Pezarat Correia, salientando que os movimentos tinham praticamente “só Exército, guerrilheiros”.
O comando destas forças mistas, seria conjunto, constituído por generais portugueses e “os chefes guerrilheiros dos três movimentos, em total paridade”, adiantou.
A força militar mista, composta a pouco e pouco, tinha por missão assegurar “a paz interna entre os movimentos e a inviolabilidade das fronteiras”.
O problema residiu no facto de que, para chegarem aos 8 mil homens cada, os movimentos “tiveram que se reforçar”, porque “o único que tinha mais guerrilheiros do que os 8 mil era a FNLA”, se bem que grande parte deles nem português falavam e eram oriundos do exército zairense, sendo que muitos até desfilavam em Angola com as fardas do seu país de origem.
“O MPLA não tinha 8 mil e a UNITA muito menos tinha 8 mil”, contou o militar de Abril. Já Portugal, pelo contrário, para chegar aos 24 mil tinha que desmobilizar, porque contava, na altura, com “cerca de 60 mil homens (…)”, adiantou.
Assim, Portugal começou por desmobilizar as tropas de recrutamento local, as tropas africanas, contou Pezarat Correia.
“Na altura, quase 50 por cento das nossas tropas do exército eram africanas, eram angolanos. E estes foram os primeiros, até porque já não se sentiam bem no Exército português”, explicou.
Mas “logo que nós começamos a desmobilizar os movimentos de libertação começam a recrutá-los para as suas fileiras”, afirmou o General do Exército português.
De seguida, Portugal desmobilizou as suas forças auxiliares, compostas “por homens com 13 anos de experiência de guerra, e o MPLA e a UNITA começaram imediatamente a tentar mobilizá-los”.
O resultado, de tudo isto foi que “passado pouco tempo a UNITA, a FNLA e o MPLA tinham muito mais do que os 8 mil homens. Só que em vez de contribuírem com essas tropas para as tais forças militares mistas, que actuassem em conjunto, pelo contrário, trataram foi de reforçarem as suas tropas partidárias”, admitiu.
“Foi a violação absoluta do Acordo de Alvor. E em Março já estavam outra vez em guerra uns com os outros” e “nós perdemos o controlo da situação”, concluiu o militar.
Quanto ao modo como poderia ter sido negociada a parte militar para que não tivesse surgido este problema, o general responde: “Não tenho resposta”.
Portanto, “Portugal confiou”, disse Pezarat Correia, reafirmando, porém, que ele próprio saiu do Alvor “com a convicção” de que forças militares mistas iriam ser constituídas.
A realidade mostrou que não só não foram constituídas como “os movimentos de libertação reforçaram cada um o seu aparelho e entraram em guerra e reforçaram a guerra uns contra os outros”, afirmou. E “a determinada altura, a única coisa que sobreviveu do Acordo do Alvor foi a data da independência”, acrescentou.
“A partir do momento em que se começou a verificar que os movimentos de libertação não contribuíam para as forças militares mistas, apercebi-me que o acordo tinha falhado”, confessou.
Até porque Portugal, que estava a desmobilizar, “tinha aqui, na metrópole, tudo nas ruas a dizer: ‘nem mais um soldado para as colónias’, ‘Regresso dos portugueses já’”. E, em Angola, os portugueses perguntavam o que estavam ali a fazer.
Portugal aliado e mentor do MPLA
O comunista e ex-conselheiro da Revolução (Portugal), José Miguel Judas, resolveu em Abril de 2019 retransmitir os recados que o MPLA sempre lhe fez chegar e aos quais deu guarida, ou não fosse um sipaio obediente. Assim, afirmou que Portugal passou décadas a conspirar contra os governos das ex-colónias (sobretudo MPLA e Frelimo), boicotando o sinal de confiança que os militares quiseram dar com o fecho do Tarrafal, em Cabo Verde.
“A libertação dos presos era um primeiro sinal, claro, de que havia da nossa parte uma vontade real de descolonização. E não de manter situações neocoloniais, como as defendidas pelo general Spínola”, diz José Miguel Judas.
“Esse sinal falhou ao nível dos governos. Fomos o centésimo país a reconhecer a independência de Angola e depois os governos nacionais passaram décadas a conspirar contra os governos que lá estavam”, acrescentou José Miguel Judas, não satisfeito por Portugal ter desonrado os compromissos assinados e entregue, de bandeja, as ex-colónias aos movimentos/partidos que eram comunistas e que hoje continuam a ser donos e senhores de tudo isto.
O capitão de Mar e Guerra, na reserva, falava em entrevista à agência Lusa sobre os 45 anos da libertação dos presos políticos do Campo do Tarrafal e o encerramento da prisão, em 1 de Maio de 1974, cinco dias depois da Revolução dos Cravos.
Para José Miguel Judas, a atitude de Portugal foi de “conspirar” contra a Frelimo e o MPLA e de andar com os movimentos opositores, Renamo e UNITA, “ao colo”.
Basta ver a história recente, desde 1975, para se ver com quem Portugal andou (e anda) ao colo. Como é que se explica tanta desonestidade intelectual? Se fosse recente dir-se-ia que que José Miguel Judas sofreria de Alzheimer, que não toma a medicação ou que, eventualmente, fuma coisas estranhas. Mas como é antiga, e tem um ADN comum aos seus camaradas de então (desde Rosa Coutinho a Otelo Saraiva de Carvalho, passando por Vasco Gonçalves e Costa Gomes), é correcto dizer-se que se trata de um compromisso salarial com o MPLA e a Frelimo.
“Eles sempre a querer manter a relação, independentemente de quem esteja no Governo, porque têm a consciência de que somos os melhores brancos do mundo, somos aqueles com quem se entendem, que nós podemos compreender e que não temos capacidade para neocolonizar”, disse José Miguel Judas, branqueando – não por ignorância mas por desonestidade – que para o MPLA, por exemplo, sempre houve brancos e pretos de primeira e de segunda.
A Revolução “apanha” o então tenente da Marinha Portuguesa e – como não poderia deixar de ser – membro do Partido Comunista Português (PCP) ao largo da ilha cabo-verdiana de Santo Antão. O militar de Abril fazia também a ligação entre as forças portuguesas e o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
O consenso era de que Portugal não devia “sair das colónias à balda, com vazios ou más saídas”. “Tínhamos uma responsabilidade acrescida, tínhamos que sair bem porque era fundamentalmente do nosso interesse”, apontou José Miguel Judas. E, importa acrescentar, “sair bem” significava entregar as colónias aos movimentos sustentados pela então URSS, neutralizando todos os outros (UNITA e FNLA, no caso de Angola) custasse o que custasse.
“Havia uma consciência de que o chamado Portugal continental era uma coisa pequenina demais para ser forte no mundo e, portanto, se mantivéssemos uma relação com as ex-colónias de povos irmãos, a darem-se bem e com confiança era um factor de fortaleza de Portugal. Estaríamos mais fortes no mundo”, acrescenta o comunista José Miguel Judas.